sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

frescor

da fresta da janela, frescor. é o verão invadindo o quarto e levando embora o silêncio inaugural. quanto tempo perdido? quanta lágrima? o silêncio foi rompido pela voz. a voz uníssona, o braço amigo, algum espaço novo que se abre: o mundo, de novo o mundo, sempre o mundo. querer amplitude não cabe nas mãos. 
talvez o verão que me invade ainda não saiba que ele traz na voz o meu respiro. ouço a voz e caio na gargalhada. devolveram a minha alegria.

estou sozinha diante da janela por horas a fio. vejo a imensidão refletida pelo vidro. a paisagem voa além da montanha. 

"enquanto houver vida, haverá mudança."

domingo, 25 de dezembro de 2011

sábado, 24 de dezembro de 2011

pro que virá

"Uma vez mais se constrói
a aérea casa da esperança
nela reluzem alfaias
de sonho e de amor: aliança."


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

mas

não saber como agir.
mesmo. 
não saber como agir.
não saber o que te atinge, nem o que te afasta. 
não saber fazer silêncio. não conseguir ficar em silêncio.
gastar palavras e reduzir o que não cabe em palavras.
tentar de todo modo não te perder.
"cuidado ao nomear as coisas, você corre o risco de perdê-las."
não saber como agir.
não saber o que te leva, nem o que te traz.
ser errante, impulsiva, gasta, demodê. 
exagerar, falar demais, viver demais, gostar demais.
o coração pede paz.
não foi por falta de vontade.
tentei.
tentamos.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

passagem

A passagem
Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por eu ser diferente ou indesejado
mesmo assim eu passarei.
Inventarei a porta e o caminho
e passarei sozinho.


(Ledo Ivo)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

.

pois haverá de existir um tempo norte construção

horizonte

daqui a pouco, já
(re) começo.
vai levar o que não deu certo
vai lavar o que virá.
nesse tardio tédio, o mar espanha
o mar explode, o mar me arranha.
o rio de janeiro continua sendo.
que venha, aurora.


mansidão

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

bem mais

Foi melhor assim
Se bem que eu nem sei
Se tudo deve ser pensado
Visto como solução

Há tempos eu perdi
Esqueci como nós nos desejávamos
Amávamos um jeito de seguir

Sim
Não foi o tempo
O que era nosso foi embora
E eu nem sei se agora
Sentimos que seremos mais

O tempo de nós dois
Agora que o amor se revelou 
Se desvelou, se permitiu não existir

Duvido que essa dor
Alcançaria toda realidade
Que esmaga essa falta de rancor

Sim
Não foi o tempo
O que era nosso foi embora
E eu nem sei se agora
Sentimos que seremos mais

Nós dois 
E a vida faz
Além do amor
Além do sim
Bem mais que o não
Bem mais
A vida faz

césar lacerda.

motriz

motriz (mo-triz)

adj.
s. f.
  Que ou aquela que faz mover, que imprime movimento motor: força motriz.

sábado, 17 de dezembro de 2011

um brinde à ela

sem precauções

chegou sem fazer alarde
sem prometer nem cumprir
o melhor remédio pra dor é deixar a dor doer
e antes que seja tarde
o peito se cura fazendo graça
fazendo música
a dor passa.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

à subsombra desumana dos linchadores

a mais triste nação
na época mais podre
compõem-se de possíveis
grupos de linchadores.


o cu do mundo. caetano veloso.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

gal e autotune

o mundo invisível de cada um

"tenho certeza de que só me mantenho viva por causa do mundo invisível onde ninguém pode me alcançar para me ferir e posso fingir que a vida faz sentido mesmo quando não faz. ali, quando os zumbis do mundo de fora me acossam com seus dedos sujos de sangue, invento a beleza e me reinvento como possibilidade. alguns olham para dentro e enxergam apenas vísceras. outros, horizonte."

eliane brum

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

pela opressão dos fatos

devo olhar pro céu e então traçar novos rumos. devo transformar. a paisagem ao invés de desfilar desaba sem dó sobre a cama. devo cantarolar em silêncio imaginando a sinfonia dos passarinhos e agradecer o fato deles poderem voar. acendo um cigarro. deixo a cama. e penso. penso sem medida sobre o que haveria de ser e não foi, sobre a terrível opressão dos fatos que apenas revelam a imensa mesquinhez humana. perco o fôlego. volto a pensar. enquanto houver mundo, haverá abuso e haverá poder e haverá desmedida e haverá crueldade e haverá podridão. enquanto houver mundo, haverá mudança e haverá respiro e haverá desejo e haverá seta e haverá luz. e o que é justo ganha corpo hoje ou daqui há mil anos, mas as palavras não se calarão. até na virada da noite, não se calarão. e a cada novo esquecimento, não se calarão. e, diante do espelho, não se calarão. e sempre que precisarem de eco, não se calarão. enquanto houver vida, haverá voz.
tudo dói. tudo é singular. tudo é subitamente violento. mas cada rio sabe o tamanho do seu curso. basta ver. 

é

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

coisas sagradas permanecem

e eis que era um peixe dourado. pequenino, os olhos fulminantes delicados. um peixe pequenino, dourado, frágil, guardado nas minhas mãos que chegaram da rua pra casa. soube acolher o peixe. soube dar-lhe vida. trouxe pra dentro de casa, era noite, o peixe cabia na ponta dos meus dedos. coloquei ele em um pote d´água. cobri o pote de água limpa e ele escapuliu. entrou pelo cano do tanque. consegui puxar a barbatana que sobrava do lado de fora do cano. coloquei ele de novo no pote. eu estava a procura de um aquário, um lugar ideal pro peixe. não conseguia encontrar. tentei fazer do pote a sua casa. coloquei comida. os olhos do peixe eram sempre fulminantes, vivos. eu sabia da importância do peixe. eu sabia que um peixe dourado não se encontra todo dia. voltei a procurar um aquário. encontrei na sala de casa. soube acolher o peixe. coloquei ele dentro do aquário, tentei dizer-lhe baixinho "pois cresça doce, essa é sua casa." e eis que o peixe começou a crescer. começou a crescer desesperadamente, numa rapidez impressionante. o peixe crescia, engordava, crescia e eis que o aquário ia ficando muito pequeno. o peixe transbordava do aquário e ia deixando de ser dourado. a textura delicada se transformava num couro forte, pardo, grosseiro. o peixe estava se tornando peixe-boi. a nova criatura era pesada demais, grande demais e ao olhá-la eu sentia medo. sentia medo porque aquilo era pesado demais pra guardar dentro de casa. pensei que não poderia ter um peixe boi no meu apartamento. não seria adequado ou o fato é que simplesmente eu não conseguiria sustentar. olhava pro novo animal com compaixão. sentia pena dele. não queria abandoná-lo no meio da rua. apesar de ser feio, ele parecia dócil. mas era isso e era simples: eu não poderia ficar com ele. com um pouco de força consegui puxar a criatura pela cabeça. metade do corpo já se encontrava fora do aquário, a outra metade soube sair sem demora. peguei nas costas do peixe-boi e fui empurrando-o pela sala. abri a porta. ele não descia. entendi que era difícil para ele partir. resolvi ter paciência. resolvi ajudá-lo. e eis que fui empurrando o peixe-boi pelas escadas do prédio. às vezes ele me olhava com um olhar de piedade, como quem pede pra ficar. eu sentia mesmo que ele me olhava como se dissesse que poderia ser delicado e poderia até mesmo tentar ser dourado e aí eu tive pena do peixe boi. mas sustentei. não é que não gostasse dele, mas simplesmente não seria capaz de tê-lo perto de mim. às vezes o próprio limite não está no desgosto. e eu precisava aprender a perder. o peixe boi chegou no último degrau da escada. dei-lhe um abraço rápido, como quem despede de um amigo que está atrasado. ele deu o último olhar de piedade e eu virei de costas. respirei fundo. deixei a compaixão de lado. coisas sagradas permanecem. subi as escadas devagar, passo a passo. olhei pra cima. tive vontade de chorar, mas não chorei.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

.

da importância das coisas

"que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balança nem barômetros etc.
que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós."

manoel de barros.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

domingo, 4 de dezembro de 2011

nove passos na escuridão (2005)

"deixo, em cima da mesa, um caderno em branco onde possas guardar,
sempre que queiras, coisas da ordem do incomunicável ao próximo.
depois da morte, voltaremos ambos a estas páginas.
e procuraremos renascer no apagar das palavras.

o prédio está em silêncio, no seu repouso
erigido à beira da estrada.
sou capaz de imaginar alguma brisa,
folhas de arbustos a correr assustadas.
no quarto ao lado, tu, adormecida e ausente,
em sonhos. levanto-me e apalpo
o trajecto reconhecido, a luz apagada.

na cozinha, sento-me perto da janela.
o frigorífico remexe-se, eléctrico e molhado.
não sei o que espero, quero ler na escuridão
das casas vizinhas muitas outras sombras sentadas.
o prédio como hospício de pessoas perdidas.
reconheço a cidade por um avião que passa,
ao alto. só nos perdemos assim, silenciosos.
de dia, ninguém ouve os aviões.

podia fechar os olhos, um escuro mais escuro,
a fingir-se tela de imaginações. ouviria um rio.
o frigorífico. pressinto a electricidade, no silêncio
impossível desta casa. penso em nomes,
Miguel, Pedro, Sérgio, Alexandre. penso em movimentos,
ataque, defesa, lateralização. cinco da manhã
de uma noite por existir, não pode haver distracção.

para voltar ao meu colchão, passo pela porta do quarto
onde dormes. sim, estás lá. procuro, no monte de roupa suja
que deixei na sala, as peças suficientes para sair à rua.
para não me denunciar, a escuridão. paro junto à porta,
afinal irrompe a respiração na ausência de sons.

a casa, de noite, é uma sinfonia.
nunca estamos sós, apagados.
sempre alguém, algo,
para nos dizer que existimos.

encontro as peças de roupa.
não faço malas, não sei se me apetece voltar.
a carteira, os pensamentos de que não me consigo separar.
mantenho as chaves do lado de dentro da porta.
não faço barulhos.

olho o poema, não me entendo na decisão do seu início.
talvez o poema não comece exactamente na primeira palavra.
talvez devêssemos virar tudo isto ao contrário.

deixo, em cima da mesa, um caderno em branco,
o meu recado. vais fingir que eu nunca existi
e eu não vou voltar a procurar como dizer
coisas que me doem. depois da morte,
talvez."

Luis Filipe Cristóvao

quatro de dezembro

salve oyá!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

drummond

"Trocaica te amei, com ternura dáctila 
e gesto espondeu.
Teus iambos aos meus com força entrelacei. 
Em dia alcmânico, o instinto ropálico 
rompeu, leonino,
a porta pentâmetra.
Gemido trilongo entre breves murmúrios. 
E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico, 
senão a quebrada lembrança 
de latina, de grega, inumerável delícia?"



a paixão medida, carlos drummond de andrade.

recanto

O álcool só me faz chorar
Convidam-me a mudar o mundo
É fácil: nem tem que pensar
Nem ver o fundo



recanto escuro, caetano veloso, do novo disco da gal costa.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

.

o oposto do osso

"Eu vejo você
E o seu olhar é o que me leva
Pra bem perto do coração
Acelerado
Veja bem
O que eu não posso querer
Pra ter você
É tão clichê
Se não dá
Tudo pára
Não dá
Vamos viver de chamego
Eu vejo você
E o meu olhar é o que te leva
Pra onde não há confusão
Só a certeza
De sermos feitos assim
Tortos, rotos
Mas ai de você sem mim
Eu quero o oposto do osso
Glorioso
Eu quero o oposto do osso
Glorioso
Veja bem
Merece quem luta pra ter
E não se acanha em errar
Pois o que é de gosto
Isso é regalo da vida
Eu quero o oposto do osso
Glorioso
Eu quero o oposto do osso
Glorioso."

bárbara eugênia. o oposto do osso.

ausência

o que dói são as arestas
não há entorno
nem abismo
só o silêncio
inaugural

sábado, 26 de novembro de 2011

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

~~~~~~

a-mar é verbo pra se conjugar em liberdade, que nem o oceano.

caixa de guardar o que (não) se acaba

entre nós tentei construir a leveza. aos poucos compreendi que a leveza não pode ser construída. leveza é consequência. ainda assim, não classificaria nossa estória como pesada. aliás, gostaria de não classificar a nossa estória. 
jamais compreendi o amor com a devida importância. tenho dúvidas se sei o que é isso. acho que todo mundo tem. mas algo além do amor faz você persistir - diariamente. você persiste e vejo que não escolho, só desejo. e o desejo é uma tal coisa sem forma e sem tamanho, que chega e vai sem pedir permissão. desejo que é desejo existe desde os tempos imemoriais. eu tive um plano lírico pra nós, agora os abandono. abandonar os planos não é abandonar o desejo. é apenas deixar o rio correr. ou o risco.

instruções para olhar o mar

tire os sapatos quando chegar na areia. afunde os pés. feche os olhos. respire três vezes de forma intensa e tente não pensar em nada. é claro que você vai pensar em alguma coisa. eleja um pensamento essencial, aquele que você não consegue afastar da cabeça há dias. comece a caminhar, lentamente, trazendo o pensamento essencial junto de si. se o pensamento se esvair ao longo dos passos, é porque não era tão essencial assim. neste caso, alegre-se com o fato de você conseguir olhar para o mar sem pensar. comemore essa liberdade. aproxime-se da beira do oceano, deixe que a água molhe a pontinha dos pés. dê tempo pra isso, o tempo que julgar necessário. abra os olhos com leveza. respire três vezes - de forma curta. largue o pensamento ali. se tiver vontade, abra os braços. se achar excessivo para o momento, apenas mergulhe.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

pés

O tempo voa pra tão longe
Sem despeito, sem alcance
Sem limite
Tudo é breve

Nossa vida
aonde foi minha memória
Foi-se um rio de janeiro
Num despejo
Simultâneo

O que nos resta nesse instante
Seus olhos foram para aonde
Que não vejo
Nem me vejo

Aos poucos caminham os pés
Meus pés que sem você
Não sabem onde ir
Não sei o que sentir
Nem sei quem você é
Como posso enxergar o fim?
Um dia vai passar a dor
De crer em um amor
Que alguém me prometeu
Aos pés
Meus

Meu peito afoga-se em silêncio
Corro riscos lentamente
E não minto
Nem pretendo

Nossa estória onde foi a mancada
Quando foi que nos perdemos?
No presente?
Na lembrança?

O corpo cansa de tanta demora
Se eu não posso perder tempo
O que espero?
Ou te espero?

Aos poucos caminham os pés
Meus pés que sem você
Não sabem onde ir
Não sei o que sentir
Nem sei quem você é
Como posso aceitar o fim?
Um dia vai passar a dor
De crer em um amor
Que alguém me prometeu
Aos pés
Teus

letra ainda sem música

domingo, 20 de novembro de 2011

amor

"Arrumei os amores, é a primeira regra da vida – saber arquivá-los, entendê-los, contá-los, esquecê-los. Mas ninguém nos diz como se sobrevive ao murchar de um sentimento que não murcha. A amizade só se perde por traição – como a pátria. Num campo de batalha, num terreno de operações. Não há explicações para o desaparecimento do desejo, última e única lição do mais extraordinário amor. Mas quando o amor nasce protegido da erosão do corpo, apenas perfume, contorno, coreografado em redor dos arco-íris dessa animada esperança a que chamamos alma – porque se esfuma? Como é que, de um dia para o outro, a tua voz deixou de me procurar, e eu deixei que a minha vida dispensasse o espelho da tua?"

inês pedrosa

.

o beijo


"Primeiro vêm perguntas, do tipo, como vão as coisas, ou em que pé estão os preparativos para o fim de ano. Depois vêm outras. O cabelo continua o mesmo. Faz quanto tempo que você não o corta. Tudo com interrogação no final. E o Japão, ainda te fascina. As palavras, a multiplicidade. Ontem eu me lembrei de uma frase sua que eu não vou esquecer nunca. Eu sinto que nunca nasci. Pois eu sinto que já morri. É a mesma coisa? Belo Horizonte e eu ultimamente: bebo muita água. Acabei de encher duas garrafas e ambas já me miram esvaziadas. Jogo futebol toda segunda-feira. Não sou craque, mas meto gol, e na terça eu nem ando direito. Depois de passar por Bukowski e o grande herói Henry Chinaski, João do Rio, Machado e outros, me meti numa bela enrascada de 500 e tantas páginas, chamada Cisnes Selvagens. A China é um belo exercício de alteridade. Quase não vejo televisão, e tampouco filmes, mas, recentemente, assisti a um filme devagar quase parando, Um Doce Olhar. Que belo. Não ando muito para artista ultimamente. Não me interesso. Mas comprei dez estatuetas de formiga para presentear meus queridos no Natal. Se você estivesse por aqui, certamente levaria para casa um belo inseto enferrujado de aço forjado. Ano passado eu só presenteei as mulheres. Este ano é dos homens [mas eu abriria uma exceção pra ti]. E eu adoro formigas. Também gosto de ratos e porcos porque recentemente descobri coisas inacreditáveis sobre eles. Os porcos têm pensamento simbólico. Os ratos têm linguagem tão complexa quanto a nossa. Mas eu fico bem humano, admirando com meus olhos de estrangeiro as obras de deus. Não espero nada de 2011. Só sei que de vez em quando vai chover. Lá fora e aqui dentro. Bom, aí vai meu coração. Um beijo."

o beijo, renato jacques. 
eumeiodofim.wordpress.com

sábado, 19 de novembro de 2011

que o corpo seja uma realidade pela qual se atravessa

uns queridos vão estrear na próxima semana. é o grupo "terceira dança", coordenado por marcelle louzada, com o espetáculo "em processo". tive o prazer de assistí-los no início do ano e de fazer uma ação com eles em 2010, junto com o coletivo de intervenção urbana que trabalho, o "paisagens poéticas: o nome disso é rua." 
ver o "terceira dança" em cena me emociona e me toca, porque mostra que o corpo não tem limite e que o que parece limitação pode se tornar potência. e isso se revela como a maior (ou mais bela) possibilidade de vida. vida deles, vida nossa.


Ficha técnica

Coordenação geral: Marcelle Louzada
Criação coreográfica: coletiva
Preparação corporal: Karina Collaço
Produção: Paloma Parentoni
Iluminação: Jésus Lataliza/Bruno Santana
Cenografia: Ana Gastelois
Figurino: Rosângela Oliveira
Trilha sonora: Philippe Lobo e Wilson Souza
Arte Gráfica/Identidade  Visual : Alexandre de Sena/picumãh e Cadu Braga
Bailarinos: Conceição, Geralda, José, Luci, Madalena, Maria de Lourdes, Noé, Rosália, Sandra, Tereza e Zilma

contato: 

Marcelle Louzada (coordenação geral): 9619-0099
Paloma Parentoni (produção executiva): 8877-0412
terceiradanca.blogspot.com

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

nine out of ten

"nine out of ten movie stars
make me cry
i´m alive"

.

um galope arrasou meu coração
antes que fosse noite
não preparei
o corpo
nem mesmo o rosto
a tarde inteira se refaz
tentando fazer passar
o que só o tempo é capaz

.

FORTALEZA
FORTALEÇA

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

a chuva cai

A chuva cai lá fora
Você vai se molhar
Já lhe pedi, não vai embora
Espere o tempo melhorar
Até a própria natureza
Está pedindo pra você ficar

Atenda o apelo desse alguém
que lhe adora
espere um pouco
não vá agora

você  ficando vai fazer feliz um coração
que está cansado de sofrer desilusão

espero que a natureza
faça você mudar de opinião

a chuva cai - velha guarda da portela

!

"quanto mais amo, mais calo"

terça-feira, 15 de novembro de 2011

rompe.

é preciso pôr um ponto final
até quando não se deseja
é preciso dizer adeus
até quando não é a hora
é preciso matar
é preciso morrer
pra que venha algo novo
algum vestígio
alguma sombra
da janela do carro
imundo
vê-se o mundo:
grande.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

.

meu amor por você
te deixa 
ser
quem você quiser

rumo

e talvez compreender que esta passarela tão estreita deve ser atravessada sozinho, como quem atravessa um coração ou uma vida inteira. e ter a certeza de que um dia, sim, alguém segurará sua mão outra vez.

sábado, 12 de novembro de 2011

.

---->

"cuidado, ela deseja."

julia panadés.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

água

"Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol. O meu quero-o nuvem. Há mulheres que falam na voz do seu homem. O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios. Para ser a minha voz quando Deus me pedir contas.
No resto, que tenha medo e me deixe ser mulher, mesmo que nem sempre sua. Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no simples ciclo das águas e dos ventos. E, vez em quando, seja mulher, tanto quanto eu. As suas mãos as quero firmes quando me despir. Mas ainda mais quero que ele me saiba vestir. Como se eu mesma me vestisse e ele fosse a mão da minha vaidade.
Há muito tempo, me casei, também eu. Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando me deixou já não me deixou a mim. Que eu já era outra, habilitada a ser ninguém. Às vezes, contudo, ainda me adoece uma saudade desse homem. Lembro do tempo em que me encantei, tudo era um princípio. Eu era nova, dezanovinha.
Quando ele me dirigiu palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta que, até então, nunca eu tinha falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negoceio de sentimento. Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo. Falar é outra coisa, vos digo. Dessa vez, com esse homem, na palavra, eu me divinizei. Como perfume em que perdesse minha própria aparência. Me solvia na fala, insubstanciada.
Lembro desse encontro, dessa primogénita primeira-vez. Como se aquele momento fosse, afinal, toda minha vida. Aconteceu aqui, neste mesmo pátio em que agora o espero. Era uma tarde boa para a gente existir. O mundo cheirava a casa. O ar por ali parava. A brisa sem voar, quase nidificava. Vez e voz, os olhos e os olhares. Ele, em minha frente, todo chegado como se a sua única viagem tivesse sido para a minha vida.
No entanto, aparentava distância. O fumo escapava entre os seus dedos. Não levava o cigarro à boca. Em seu parado gesto, o tabaco a si se consumia. Ele gostava assim: a inteira cinza tombando intacta no chão. Pois eu tombei igualzinha àquela cinza. Desabei inteira sob o corpo dele. Depois, me desfiz em poeira, toda estrelada no chão. As mãos dele: o vento espalhando cinzas. Eu.
Nesse mesmo pátio em que se estreava me coração tudo iria, afinal, acabar. Porque ele anunciou tudo nesse poente. Que a paixão dele desbrilhara. Sem mais nada, nem outra mulher havendo Só isso: a murchidão do que, antes, florescia. Eu insisti, louca de tristeza. Não havia mesmo outra mulher? Não havia. O único intruso era o tempo, que nossa rotina deixara crescer e pesar. Ele se chegou me beijou a testa. Como se faz a um filho, um beijo longe da boca. Meu peito era um rio lavado, escoado no estuário do choro.
Era essa tarde, já descaída em escuro. Ressalvo. Diz-se que a tarde cai. Diz-se que a noite também cai. Mas eu encontro o contrário: a manhã é que cai. por um cansaço de luz, um suicídio da sombra. Lhe explico. São três os bichos que o tempo tem: manhã, tarde e noite. A noite é quem tem asas. Mas são asas de avestruz. Porque a noite as usa fechadas, ao serviço de nada. A tarde é a felina criatura. Espreguiçando, mandriosa, inventadora de sombras. A manhã, essa, é um caracol, em adolescente espiral. Sobe pelos muros, desenrodilha-se vagarosa. E tomba, no desamparo do meio-dia.
Deixem-me agora evocar, aos goles de lembrança. Enquanto espero que ele volte, de novo, a este pátio. Recordar tudo, de uma só vez, me dá sofrimento. Por isso, vou lembrando aos poucos. Me debruço na varanda e a altura me tonteia. Quase vou na vertigem. Sabem o que descobri? Que minha alma é feita de água. Não posso me debruçar tanto. Senão me entorno e ainda morro vazia, sem gota.
Porque eu não sou por mim. Existo reflectida, ardível em paixão. Como a lua: o que brilho é por luz de outro. A luz desse amante, luz dançando na água. Mesmo que surja assim, agora, distante e fria. Cinza de um cigarro nunca fumado.
Pedi-lhe que viesse uma vez mais. Para que, de novo, se despeça de mim. E passados os anos, tantos que já nem cabem na lembrança, eu ainda choro como se fosse a primeira despedida. Porque esse adeus, só esse aceno é meu, todo inteiramente meu. Um adeus à medida de meu amor.
Assim, ele virá para renovar despedidas. Quando a lágrima escorrer no meu rosto eu a sorverei, como quem bebe o tempo. Essa água é, agora, meu único alimento. Meu último alento. Já não tenho mais desse amor que a sua própria conclusão. Como quem tem um corpo apenas pela ferida de o perder. Por isso, refaço a despedida. Seja esse o modo de o meu amor se fazer eternamente nosso.
Toda a vida acreditei: amor é os dois se duplicarem em um. Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. De mais. Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada, Ninguém no plural.
Ninguéns."

a despedideira - mia couto