quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

coisas sagradas permanecem

e eis que era um peixe dourado. pequenino, os olhos fulminantes delicados. um peixe pequenino, dourado, frágil, guardado nas minhas mãos que chegaram da rua pra casa. soube acolher o peixe. soube dar-lhe vida. trouxe pra dentro de casa, era noite, o peixe cabia na ponta dos meus dedos. coloquei ele em um pote d´água. cobri o pote de água limpa e ele escapuliu. entrou pelo cano do tanque. consegui puxar a barbatana que sobrava do lado de fora do cano. coloquei ele de novo no pote. eu estava a procura de um aquário, um lugar ideal pro peixe. não conseguia encontrar. tentei fazer do pote a sua casa. coloquei comida. os olhos do peixe eram sempre fulminantes, vivos. eu sabia da importância do peixe. eu sabia que um peixe dourado não se encontra todo dia. voltei a procurar um aquário. encontrei na sala de casa. soube acolher o peixe. coloquei ele dentro do aquário, tentei dizer-lhe baixinho "pois cresça doce, essa é sua casa." e eis que o peixe começou a crescer. começou a crescer desesperadamente, numa rapidez impressionante. o peixe crescia, engordava, crescia e eis que o aquário ia ficando muito pequeno. o peixe transbordava do aquário e ia deixando de ser dourado. a textura delicada se transformava num couro forte, pardo, grosseiro. o peixe estava se tornando peixe-boi. a nova criatura era pesada demais, grande demais e ao olhá-la eu sentia medo. sentia medo porque aquilo era pesado demais pra guardar dentro de casa. pensei que não poderia ter um peixe boi no meu apartamento. não seria adequado ou o fato é que simplesmente eu não conseguiria sustentar. olhava pro novo animal com compaixão. sentia pena dele. não queria abandoná-lo no meio da rua. apesar de ser feio, ele parecia dócil. mas era isso e era simples: eu não poderia ficar com ele. com um pouco de força consegui puxar a criatura pela cabeça. metade do corpo já se encontrava fora do aquário, a outra metade soube sair sem demora. peguei nas costas do peixe-boi e fui empurrando-o pela sala. abri a porta. ele não descia. entendi que era difícil para ele partir. resolvi ter paciência. resolvi ajudá-lo. e eis que fui empurrando o peixe-boi pelas escadas do prédio. às vezes ele me olhava com um olhar de piedade, como quem pede pra ficar. eu sentia mesmo que ele me olhava como se dissesse que poderia ser delicado e poderia até mesmo tentar ser dourado e aí eu tive pena do peixe boi. mas sustentei. não é que não gostasse dele, mas simplesmente não seria capaz de tê-lo perto de mim. às vezes o próprio limite não está no desgosto. e eu precisava aprender a perder. o peixe boi chegou no último degrau da escada. dei-lhe um abraço rápido, como quem despede de um amigo que está atrasado. ele deu o último olhar de piedade e eu virei de costas. respirei fundo. deixei a compaixão de lado. coisas sagradas permanecem. subi as escadas devagar, passo a passo. olhei pra cima. tive vontade de chorar, mas não chorei.

Um comentário:

Anônimo disse...

sim, permanecem. de um outro jeito, mas permanecem.
<3
adorei o texto. bonito. muito bonito.