quinta-feira, 24 de abril de 2014

terça-feira, 22 de abril de 2014

carta ao avô

vô querido,

quantas saudades. te escrevo porque esses dias você não tem saído da minha cabeça. a vó dormiu aqui em casa esses dias, foi a companhia mais agradável que eu podia ter tido nesses dias de silêncio e perguntas. tantas perguntas, vô. ando me perguntando tudo. já me disseram que isso iria acontecer quando eu fizesse 28. me disseram que eu ia me perguntar sobre tudo. e assim tem sido, ou não tem sido, pois tenho me perguntado muito e não tomado nenhuma decisão. acho que tenho decidido algumas coisas internamente, apesar de que nenhuma dessas decisões internas têm me feito mudar de lugar. pelo menos por enquanto.
sinto que preciso urgentemente mudar de lugar, vô. e o mais estranho é isso: o lugar não é físico. sinto que eu estou precisando de reparos, de novas posturas, quase de uma nova identidade. olho prum passado que me dá orgulho, mas também me dá angústia. muita angústia. sinto às vezes que sofro pelas mesmas coisas que sofria quando era bem criança, quando ia pra sua casa e chorava no cantinho, sem fazer barulho e sem ninguém perceber, lembra? acho que eu conheci a melancolia ali, no auge dos meus 4, 5 anos e já naquela idade eu sabia que viver era sorrir e também sofrer. e essas duas instâncias têm sido muito presentes em mim. muito.
escutei uma vez que fazer 28 anos é como nascer novamente e a verdade é que não há nada mais sofrido que nascer. já pensou ser tirado brutalmente do quentinho aquático da barriga de sua mãe e parar nesse mundo gelado, branco, com cheiro de congelado do supermercado? é realmente muito louco que nascer dê certo, na maioria das vezes. é realmente muito louco que a gente consiga sobreviver ao nascimento, na maioria das vezes. ou pelo menos que a gente acha que consegue.
pois me sinto assim: saída do quentinho aquático da barriga da minha mãe e jogada num cheiro de congelado de supermercado. me sinto jogada naquela área do freezer, na parte aonde ficam os frangos e as carnes com hormônios. o mundo pra mim tem tido esse cheiro. essa textura.
apesar de tudo, vô, tento manter meu bom humor. tento rir de mim, mesmo quando me sinto incapaz. e a verdade é que eu tenho me sentido muito incapaz. incapaz de crescer, de bancar a própria vida, de viver de arte, de me organizar, de lidar com o tempo, de lidar com o amor. mas sobre o amor... quem nesse mundo foi capaz de desvendá-lo? 
preciso te dizer que encontrei o amor e disso tenho certeza. é um amor que tem me feito muito feliz, mesmo nos momentos de angústia. é um amor que me faz confrontar com o mais difícil e amargo de mim mesma. e como poderia ser melhor do que isso? vivo um amor que me faz querer viver.
no mais, as coisas parecem bem. a vó está linda, vistosa, nem parece ter a idade que tem. diz que te ama perdidamente e que nunca te esquece, nem um dia sequer. eu acredito e me emociono. papai está bem também, caladinho, na dele. ele precisa do silêncio. a mamãe está querendo ir atrás da história da tereza.
até hoje acho inacreditável essa história da tereza. como entender uma mãe que abandona seus filhos? como entender esse rasgo fundo dessa família, que contamina as mulheres todas com uma melancolia profunda?
sempre pensei que mais louco que uma mulher que parte, é um homem que fica. e você é esse homem. você é esse homem que ficou.
saudade dos nossos papos, vô. queria poder te contar um pouco de tudo que tenho vivido nesse mundo era de aquarius. você não acreditaria, é muita internet, muita rede, pouco laço. as pessoas não conversam mais na hora do jantar, todo mundo carrega um telefone na esperança de encontrar a própria salvação. é surreal, é cru. você não acreditaria.
tenho saudade do jeito que você apertava minha mão quando eu queria atravessar a rua. tenho saudade das suas brincadeiras que vinham até na hora do desespero. sinto saudades das suas histórias e do seu jeito de dançar com os ombros ouvindo cartola. eu não me esqueço, seu coração sempre foi carioca. paulista de nascença, mineiro por obrigação, carioca de coração, lembra? não me esqueço. meu coração também é do rio. um dia, sim, um dia eu vou morar na praia.
vô, você é o maior homem que esse mundo já conheceu. obrigada por me constituir na sua essência.
a saudade é gigante, mas te carrego no peito. a sua leveza é minha maior inspiração. se eu viver a vida com a metade do seu sorriso, já sou inteira gargalhada.

um beijo, um abraço, uma alegria.

j.


domingo, 20 de abril de 2014

domingo, 13 de abril de 2014

trechinho


"Não suporto quando alguém está muito ocupado comigo. Não suporto essa responsabilidade. Quero que se ocupem - do que é meu, do que me é próprio e não de mim. Pois não amo a mim mesma (pessoalmente), amo o que me é próprio. Ou seja, a coincidência de mim com aquilo que me é próprio - é isso. Do contrário, é a solidão, o não encontro, o faltar-se. Dois encontram-se e um terceiro - isso sim. Entretanto, os dois nunca podem se encontrar em um dos dois, ou um no outro. Se X ama Y e Y ama X = solidão. Se X ama Y e Y também ama Y = solidão. Se X ama Z e Y ama Z = encontro. Z= aquilo que coincide (para X e para Y), sendo mais que X e que Y." 

Marina Tsvietaieva.

consumir conscientemente o gozo e a dor


domingo, 6 de abril de 2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

trama

carrego nas mãos uma ausência
a saudade leve
a vontade urgente
o tempo que passa
os dedos que escorrem sem pressa
o meu silêncio

carrego nas mãos as vozes de todos os tempos
o meu tempo que já não sei qual é
esse hiato entre o ontem e o amanhã
metade desejo metade escuta
(...)
e meus pés caminham fortes
trocam de direção
se perdem na noite
espero um sinal
espero um aviso
espero uma promessa

carrego nas mãos uma vã filosofia
me apaixonei desse texto
me apaixonei dessa escrita
me apaixonei dessa forma de ver o mundo
me apaixonei pelo seu sintoma

(e sinto-me)
(e sinto-te)

carrego nas mãos uma incerteza
vou pelo mistério que me guia
vou pelo caminho da beleza
qualquer maneira de amor me ilumina.


fragmentos

"um 'koan" budista diz 'o mestre segura a cabeça do discípulo debaixo da água, durante muito, muito tempo; pouco a pouco as bolhas começam a se rarefazer' no último momento, o mestre tira o discípulo, reanima-o: quando você desejar a verdade como desejou o ar, então saberá o que ela é.' 
a ausência do outro segura a minha cabeça debaixo da água, pouco a pouco, sufoco, meu ar se rarefaz: é por essa asfixia que reconstituo minha 'verdade' e preparo o intratável do amor."

(fragmentos de um discurso amoroso. verbete: ausência)