domingo, 14 de junho de 2015

círculos

faz horas que estou tentando desenhar um círculo. pego uma folha de papel A4, uma caneta, tento seguir a geografia perfeita de um compasso. inútil. enquanto aqui dentro tudo parecer não ter forma, não conseguirei fazer uma rotação precisa.

tenho vivido dias de raiva. a raiva é um sentimento engraçado. se fôssemos localizar a raiva no corpo, tenho certeza de que ela estaria exatamente no espaço entre os dentes e o céu da boca, como um bafo quente de um animal selvagem. a raiva tem sempre um quê de animal selvagem e é por guardar tanta raiva que tenho evitado soltar as palavras desvairadamente. o silêncio é bom pra conter a raiva e tenho medo de que a fera que mora em mim se solte e depois disso nada nem ninguém será capaz de enjaular a fera. as jaulas existem pra que a gente se lembre que têm limites. as jaulas existem pra que as feras não se soltem o tempo todo. o meu limite começa exatamente aonde termina o seu círculo.

o problema maior que tivemos na nossa história de amor foi o fato de você desenhar círculos desvairadamente, um dentro do outro, dentro do outro, dentro do outro - em espiral. de tanto desenhar círculos, você se esqueceu das outras partes da folha de papel A4. e, que loucura, eu sempre te enchendo de folhas, quantas folhas de papel em branco você recebeu para fazer um desenho qualquer. e você sempre em círculos e sempre circunscrito em você.

estou dentro da casa, estou habitando o vazio, consigo beijar o vazio profundamente. às vezes, quando faz frio e a casa gela, eu penso nos desenhos, nas folhas de papel e nos círculos. mergulho nas coisas improváveis. estou dando voltas e voltas e voltas, mas ainda não consegui entender aonde tudo começa e aonde tudo termina.


Um comentário:

Maína disse...

Lindo.
Entendo... Claro, a parte que interpreto para mim mesma.
Bj.