segunda-feira, 28 de março de 2011

Toda vez que seu telefone tocar, atenda. Sou eu.

Pego o telefone. Digito o número. Apago o número. Guardo o telefone. Bebo um copo d´água (dois goles). Dou uma voltinha pela sala. Respiro fundo: um, dois, vuuush, vusssh.  Pego o telefone - dessa vez mais devagar. Digito o primeiro número. Dou uma gargalhada estridente. A velhinha do apartamento ao lado escuta e levanta a cabeça. Faz muito tempo que a velhinha do apartamento ao lado não liga pra ninguém. Eu não vejo a velhinha do apartamento ao lado, mas posso pressentir que alguém me ouviu. Digito o segundo número. Alguém bate na porta. Era pra fazer "trim" e fez "toc toc". Despejo o telefone em cima do sofá. Suspiro (duas vezes). Abro a porta. Ninguém na porta. Ameaço fechar a porta. Olho de novo. Suspiro (uma vez). Fecho a porta. Pego o telefone em cima do sofá.  Olho fixamente pro telefone. Imagino que o telefone é um grande pote de sorvete ou qualquer outra coisa que não precise de muita cerimônia para ser usada. Fecho os olhos enquanto aperto o telefone nas mãos. Penso em tudo que preciso te dizer. Tento elaborar as palavras como numa lista, pra não esquecer nenhum detalhe. Ensaio a conversa diante da parede - você é a parede. Gesticulo tudo, treino o olhar, dou ênfase às palavras importantes, demonstro raiva no momento em que deveria estar com bastante raiva. Suspiro (uma vez). Abro os olhos. Ajoelho lentamente no chão. Levanto as mãos pro céus, finjo de cristã, peço ajuda pra São Jorge. Sem demorar muito me levanto e peço desculpas por perturbar São Jorge com telefonemas. Pego o telefone - dessa vez mais rápido. Digito o número com decisão: 12345678. Espero tocar. Minha mão treme, quase que o telefone cai. O telefone não cai, meu coração sim. 
Você atende. 
Eu fico muda. 
Você diz: oi. 
Eu fico muda. 
Você fala oi mais forte. 
Eu fico muda. 
Você suspira (muitas vezes). 
Eu não suspiro (nenhuma vez). 
Você fica mudo. 
Eu digo: oi.

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