terça-feira, 8 de julho de 2008

))<>((

"e se realmente gostarem? se o toque do outro de repente for bom? bom, a palavra é essa. se o outro for bom para você. se te der vontade de viver. se o cheiro do suor do outro também for bom. se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. o pé, no fim do dia. a boca, de manhã cedo. bons, normais, comuns. coisa de gente. cheiros íntimos, secretos. ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. e se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? quando você chega no mais íntimo, no tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. você também tem cheiros. as pessoas têm cheiros, é natural. os animais cheiram uns aos outros. no rabo. o que é que você queria? rendas brancas imaculadas? será que amor não começa quando nojo, higiene ou qualquer outra dessas palavrinhas, desculpe, você vai rir, qualquer uma dessas palavrinhas burguesas e cristãs não tiver mais nenhum sentido? se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, porque de repente você até pode gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. o amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. se amor for a coragem de ser bicho. se amor for a coragem da própria merda. e depois, um instante mais tarde, isso nem sequer será coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. o que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. porque então você se ama também."


(Caio Fernando Abreu)

4 comentários:

Anônimo disse...

daí amor é instinto e então será que é amor? se amor é instinto então é necessário... chamando amor, ou não. mas não, não é necessário. é opcional, construção. daí, será que é instinto? Quando o cheiro do outro vira perfume é química, que sim é instinto, que sim é amor e que sim é necessário. concordo na discordância. mas não importa: sinto

fortaleza furta-cor disse...

química. mistura.
amor pura discordância.
e por isso, amor.

Anônimo disse...

!!!

Luna disse...

peguei emprestado pro meu blog.
lindíssimo.
Caio Fernando Abreu é qq coisa de inexplicável às vezes.